O Xamanismo da Arte Rupestre
- Hermes Nigredinis
- 27 de set. de 2018
- 5 min de leitura

Esse texto escrevi para a Specula, mas me arrependi enormemente de ter feito isso. Aqui vai ele repostado em meu próprio Blog.
Olá, eu sou Saturnino e estou aqui para debater um pouco sobre o tema "Arte" aliado à magia, baseando-se em nossos queridos ancestrais.
Estava estudando sobre as Artes Rupestres, sim aquele monte de desenhos de animais gravados em paredes e que remetem a época em que o ser humano ainda vivia em um período arcaico e selvagem. No começo subestimei o conteúdo, confesso, mas dando um Zoom no assunto, acabei por descobrir coisas incríveis a respeito do homem Neandertal.
Após a descoberta da Caverna de Lascaux, houve todo um estudo para decifrar o que estava escrito naquelas paredes. Trata-se de uma caverna de Calcário, que foi aberta com o tempo graças a infiltração da água, gerando uma espécie de caminho por dentro da crosta terrestre. Camadas de calcitas, resultado do intemperismo químico causado pela água, também cobriam a superfície da caverna, que passou a ser explorada pelos nossos antepassados. O Calcário era perfeito para a absorção de tintas, que na época, era totalmente feito a base dos mais variados minérios (Sílex, óxido de Manganês, Óxido de Ferro, Ocre, Argila),que eram moídos até se tornar pó,e misturados com água, óleo e gordura animal, quando não usados para assoprar e gravar imagens. O Artista Rupestre (sim, indícios indicam que havia uma espécie de cargo de artista entre os clãns e tribos dessa época), utilizava ferramentas como uma cuia de pedra para carregar a tinta, crina de cavalo enrolada para virar um pincel, e até mesmo uma lamparina super polida, que utilizava Gordura de animal e madeira de Zimbro. Foi com todas essas ferramentas que os "primitivos" gravaram sua Arte.
Porém, naquela época, aquilo não era considerado "Arte", isso é uma denominação totalmente atual, que reconheceu a posteriori o artista rupestre e toda uma série de técnicas de gravação em pedra. No passado, o propósito parecia ser outro. O Homem pré-histórico vivia completamente a par da natureza, participando de seus ciclos, caçando, e cuidando da tribo, sua relação com os
animais era tão diária e comum, que nada impede de considerarmos a hipótese de que eles se viam e se espelhavam nos animais, vendo-os como si mesmos. Tanto que futuramente, os clãns passaram a se dividir de acordo com espécies de animais: a tribo do Búfalo, do Auroque, dos Cavalos, dos Cervos e ai vai... Animais esses,super comuns na pintura rupestre.
Analisando mais a caverna de Lascaux, podemos ver que ela era separada em "Câmaras" e que certos animais apareciam apenas em categorias de câmaras diferentes, e mais em seu fundo, havia uma câmara especial, bem mais escura, de caráter iniciático, onde, possivelmente, eram realizados rituais de uma escala maior. Gravuras de seres sobrenaturais, com formas nada humanas,
eram super comuns não só nessa parte da caverna, mas espalhadas por ela toda, inclusive há uma imagem super polêmica de um "Bicórnio" da antiguidade. Alguns animais apareciam com vários riscos fortes e consecutivos em seu corpo, quando não atravessados por lanças, outros apareciam desenhados de maneira sobreposta indicando "reprodução", vários símbolos de pontos e riscos eram espalhados por todo o calcário, em uma linguagem que hoje nos é impossível decifrar.
Um levantamento teórico me despertou a atenção no meio de toda essa informação, todo o procedimento da pintura e gravura sobre o calcário, tinha caráter 100% Xamânico. Os animais rabiscados representavam a magia de destruição, Morte, totalmente a ver com a caça e da necessidade de prover comida, mas para os antigos, matar os animais lhe garantiam seu corpo, mas e pra onde iria sua alma? Havia claro, tabus com relação a morte. Era nessas horas que eles resolviam gravar aquele animal no útero da Mãe Terra (a própria caverna), gravando exatamente aquilo que viam, pois era exatamente aquilo que desejavam, inclusive "induzindo" a procriação, reprodução e consequente multiplicação desses animais através de desenhos que indicam fertilidade e reprodução (se extinguissem todos os animais, como poderiam sobreviver?) Além disso, faziam um "reaproveitamento" da alma, emprestando características do animal recém sacrificado: a Força do Auroque, a Velocidade do Cavalo, a Perspicácia dos Leões da Caverna, a resiliência do Bode Montanhês, dessa forma, a alma não seria "desperdiçada", sendo o poder do animal dirijido para a caça e cumprindo uma importância vital no ciclo de Morte e Renascimento que os circundavam. O Xamã era o responsável por ancorar essas forças espirituais e consagrar seus guerreiros para a Caça, através de psicoativos, entrava em transe justamente no momento do sacrifício, acessando assim o Akasha e manipulando a energia animal no qual eles fortemente eram envolvidos. Desenhar os animais na caverna era uma forma de "aprisionar" o espirito do animal, para que não vagasse a toa pelo universo.
Totalmente inspirado no homem Pré-histórico através de sua atualmente denominada arte, lembrei dos vários animais que passaram pela minha vida e faleceram. Um homem pré-histórico, sem preconceitos reaproveitaria a energia daquele animal. Imagine se você pudesse reaproveitar o poder do seu recém falecido felino? Ou a evidente mediunidade dos Cães? Felizmente não precisamos fazer disso uma Necrurgia (Magia que se apodera da energia dos mortos), esperando ou provocando a morte de nossos queridinhos, pois enquanto vivem, exalam a todo momento essa energia! Podemos trabalhar diretamente com nossos animais, experimentando um contato profundo com eles, emprestando para eles nossa energia Humana enquanto recebemos em troca a energia animal.
Mas, uma hora eles se vão, e seus ciclos de vida tendem a ser menores do que o nosso, podemos escolher por manter a energia do animal conosco, "reaproveitando" o resíduo astral deixado pelo animal, não serei moralista dizendo que aproveitar a energia expelida pelos mortos deve ser evitada por questões éticas, apenas ressalto que a aniquilação de animais apenas para se realizar magia pode ser sim cruel, os animais não estão ai para serem objetos de nossas experiências mágicas, e que a apoderação de sua energia deve ser realizada por período temporário. Há também há aqueles que não querem interferir e apenas desejam que o animal siga seu ciclo, então podemos simbolicamente, desenhar em estado de gnose, nosso animalzinho, ou enterrar junto com seu corpo, vários pedidos para que a mãe terra novamente traga a ele a experiência de vida. Trata-se de rituais funerários, onde ao se deparar com a Morte, o mago ou bruxa ritualisticamente celebra o fim, e não era diferente para os nossos antepassados, inclusive, mais comum, por ser vital para sustentar a vida.
Nossos antepassados já mostravam uma maneira bem "Caoísta" de trabalhar magicamente, no sentido de que eram muito diretos no que desejavam (comida!eee) e utilizavam de Pinturas para retratar e manipular as energias da natureza, criando um sistema ritualístico próprio e induzido por enteógenos. Comecei a pensar no poder que deve emanar de um simples desenho, feito com uma intenção fixa e forte. Infelizmente hoje em dia as pessoas veem desenho como "Só um desenho" e perdemos a essência e a força espiritual que havia ao gravar e reproduzir imagens, O Desenho é a representação física daquilo que se passa pela nossa mente, em nosso interior, e que contém imagens de tudo aquilo que contemplamos. Talvez se começarmos a ter uma postura mais séria, profunda, e recheada de intenções ao desenhar qualquer coisa(sim, qualquer coisa, não apenas um sigilo) , já estaremos claramente criando uma bateria mágica, uma representação física e artística de uma intenção que mora dentro de nós. A Arte rupestre me fez querer desenhar absolutamente tudo aquilo que desejo para mim, colocando na realidade do papel, aquilo que eu mais intensamente desejo que seja minha realidade.
Espero que o texto tenha no mínimo, inspirado-o, não apresentarei "formas" de se realizar as magias aqui apresentadas, pois como Caoísta, entendo que a forma se da completamente pela subjetividade e estilo pessoal das pessoas,o que vale é a intenção sempre, ressalto apenas a importância de se agir com cautela , coerência e em respeito com a natureza e os animais. Cada passo dado na magia, é como uma escolha, e precisa ser realizada com sabedoria.
PS: ah! a boa notícia, é que você não precisa ser um expert em desenho para isso, rabisque com intenção, se importando pouco com a estética e sim com o propósito.
Kaire!
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